O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade de arrematação a preço vil em execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente, com base nas disposições da Lei n. 9.514/1997, antes e após as modificações promovidas pela Lei n. 14.711/2023.
A execução extrajudicial de imóvel dado em alienação fiduciária possui regramento específico estabelecido na Lei n. 9.514/1997. Antes das alterações trazidas pela Lei n. 14.711/2023, o contrato que serve como título ao negócio fiduciário deveria conter o valor do principal da dívida, bem como a indicação do valor do imóvel e os critérios para sua revisão (texto 24, I e VI).
Com a entrada em vigor da Lei n. 14.711/2023, ficou estabelecido que, em segundo leilão, não pode ser aceito lance inferior à metade do valor de avaliação do bem, ainda que superior ao valor da dívida acrescido das demais despesas, nos termos do texto 891 do CPC/2015.
Apesar de o leilão objeto desta análise ter sido realizado antes da vigência da Lei n. 14.711/2023, isso não altera a compreensão sobre a matéria. Doutrinariamente, há muito tempo já se defendia a impossibilidade de alienação extrajudicial a preço vil, invocando não apenas o texto 891 do CPC/2015, mas também outras normas, tanto de direito processual quanto material.
Dentre essas normas, destacam-se as que desautorizam o exercício abusivo de um direito (texto 187 do Código Civil), condenam o enriquecimento sem causa (texto 884 do Código Civil), determinam a mitigação dos prejuízos do devedor (texto 422 do Código Civil) e estabelecem que a execução deve ocorrer de forma menos gravosa para o executado (texto 805 do CPC/2015).
Embora a quantia obtida em segundo leilão seja significativamente inferior à metade do valor de avaliação para venda forçada, mesmo sem atualização, as instâncias ordinárias entenderam que as normas de caráter geral não seriam aplicáveis à execução extrajudicial regida pelas disposições especiais da Lei n. 9.514/1997.
No entanto, essa orientação não encontra respaldo nem na doutrina majoritária, nem em julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, mesmo antes da inovação legislativa, já defendiam a impossibilidade da arrematação a preço vil na execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente.
Por fim, ressalta-se que, embora a alienação por iniciativa particular tenha caráter negocial, também a ela se aplica a vedação da alienação a preço vil. Em regra, considera-se preço vil aquele que não alcança 50% do valor da avaliação, ressalvadas as particularidades do caso concreto.
Portanto, as normas que impedem a arrematação por preço vil são aplicáveis à execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente, tanto antes quanto após as modificações promovidas pela Lei n. 14.711/2023. Tal entendimento encontra respaldo na doutrina e na jurisprudência, que destacam a necessidade de respeitar os princípios de boa-fé, equilíbrio contratual e mitigação dos prejuízos do devedor.
– STJ, 3ª T., REsp n. 2.096.465-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, j. 14.5.2024 – inteiro teor.
Legislação:
– Lei n. 9.514/1997, texto 24, I e VI
– Lei n. 14.711/2023
– arts. 805 e 891, Código Processual Civil
– arts. 187, 422 e 884, Código Civil
REGINALDO FERRETTI
OAB/SP N. 244.074
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