A presente análise aborda a questão da impenhorabilidade de quantias inferiores a 40 salários mínimos, conforme previsto no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC). A discussão gira em torno da possibilidade de o juiz reconhecer essa impenhorabilidade de ofício, um tema que não apenas suscita divergências na jurisprudência, mas também possui implicações práticas significativas para os executados.
De acordo com a legislação vigente, a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos não se caracteriza como uma matéria de ordem pública, o que implica que tal questão deve ser levantada pelo executado no primeiro momento processual em que lhe é permitido intervir, seja por meio de embargos à execução ou de impugnação ao cumprimento de sentença. A falta de manifestação tempestiva por parte do devedor poderá levar à preclusão de seu direito de arguir tal impenhorabilidade, conforme os princípios que regem o processo civil.
Em consonância com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no âmbito do recurso especial EAREsp 223.196/RS, a Corte Especial pacificou a interpretação do artigo 649 do CPC de 1973, determinando que a impenhorabilidade nele prevista também deveria ser alegada pelo executado, afastando a possibilidade de reconhecimento de ofício pelo magistrado. A decisão refutou a ideia de que a impenhorabilidade consistiria em uma regra de ordem pública, cuja inobservância geraria nulidade absoluta.
Com a promulgação do CPC de 2015, a impenhorabilidade passou a ser tratada de maneira mais clara. O legislador optou por eliminar a expressão “absolutamente” do caput do artigo 833, reconhecendo a natureza relativa da impenhorabilidade. Além disso, o novo diploma normativo introduziu disposições sobre a penhorabilidade de dinheiro depositado ou aplicado, estabelecendo que, após a decretação de indisponibilidade, cabe ao executado a comprovação da impenhorabilidade das quantias, sob pena de conversão da indisponibilidade em penhora.
É crucial destacar que, nos casos em que o legislador desejou permitir a atuação de ofício do juiz, fez isso de forma explícita, como no parágrafo 1º do artigo 854 do CPC. Este dispositivo autoriza o juiz a cancelar a indisponibilidade que ultrapasse o valor da execução, mas não contém previsão semelhante para a impenhorabilidade, reforçando a ideia de que esta última deve ser argüida pelo executado.
A impenhorabilidade, conforme estabelecido no artigo 833, inciso X, do CPC, reflete uma regra de direito disponível, o que significa que o devedor pode dispor livremente dos valores que possui, incluindo a possibilidade de utilizá-los para saldar a dívida em questão. Assim, a impenhorabilidade não tem caráter de ordem pública e a interpretação sistemática dos dispositivos legais pertinentes indica que o ônus de alegar a impenhorabilidade recai sobre o executado.
Em suma, a legislação processual civil não concede ao juiz a prerrogativa de reconhecer a impenhorabilidade de ofício, mas, ao contrário, impõe ao executado a responsabilidade de alegar tempestivamente tal circunstância. Portanto, a impenhorabilidade de valores inferiores a 40 salários mínimos deve ser tratada como uma questão que depende da manifestação do devedor, conforme os ditames dos artigos 833, 854, 525 e 917 do CPC.
Referências:
– STJ, Corte Especial, REsp 2.061.973-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 2.10.2024 (Tema 1235) – inteiro teor.
– STJ, Cortes Especial, REsp 2.066.882-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 2.10.2024 (Tema 1235) – inteiro teor.
REGINALDO FERRETTI
OAB/SP n. 244.074
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