A desconsideração da personalidade jurídica é um tema relevante no Direito Empresarial e Processual Civil, especialmente no contexto da falência. A análise do artigo 82-A da Lei nº 11.101/2005 revela nuances importantes sobre a competência para a decretação desse instituto.
Inicialmente, é imperativo destacar que o mencionado artigo, introduzido pela Lei 14.112/20, não atribui ao juízo falimentar uma competência exclusiva para a desconsideração da personalidade jurídica. O cerne da questão reside na necessidade de determinar qual juízo possui a jurisdição adequada para processar e decidir sobre o incidente de desconsideração, especialmente quando este é instaurado em face de uma sociedade empresária que se encontra em estado de falência.
A interpretação do parágrafo único do artigo 82-A é crucial, pois permite discernir se estamos diante de uma norma de competência ou se se trata de uma disposição que regula aspectos processuais e materiais relacionados à desconsideração no contexto da falência. O dispositivo estabelece que a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade falida, que visa responsabilizar terceiros, só pode ser decretada pelo juízo falimentar, desde que observadas as diretrizes contidas no Código Civil e no Código de Processo Civil.
Contudo, é importante ressaltar que essa norma não se configura como uma regra de competência. A sua aplicação se restringe à desconsideração no âmbito da falência, com a finalidade de atingir o patrimônio de um terceiro, sem que se confunda com o instituto da extensão da falência a outrém.
A doutrina especializada aponta que a desconsideração da personalidade jurídica e a extensão da falência são institutos distintos. Ambos podem impactar o patrimônio de um terceiro ou sócio, mas os pressupostos que caracterizam cada um são substancialmente diferentes. Enquanto a desconsideração requer a evidência de um abuso da personalidade jurídica, a extensão da falência se limita à condição de sócio com responsabilidade ilimitada.
Dessa forma, a norma não tem como objetivo estabelecer a competência para julgar pedidos de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim regular o processamento e os requisitos materiais necessários para a sua decretação dentro do contexto da falência.
Ademais, a doutrina ressalta que, apesar da redação ambígua do dispositivo, isso não impede que outros juízes, em diferentes demandas que envolvam a empresa falida, também decretem a desconsideração. A norma visa, em última análise, regulamentar os requisitos para a desconsideração, prevenindo abusos por parte do Poder Judiciário.
Assim, ao se constatar que o parágrafo único do artigo 82-A da Lei nº 11.101/2005 não estabelece a competência exclusiva do juízo falimentar, a falta de uma manifestação expressa deste sobre a desconsideração elimina a configuração de um conflito de competência. A mera manifestação de um juízo trabalhista, por si só, não é suficiente para justificar a instauração de tal conflito.
Concluindo, é essencial que os operadores do direito compreendam as implicações da desconsideração da personalidade jurídica no contexto falimentar, respeitando as normas que regulam sua aplicação e evitando interpretações que possam levar a abusos ou confusões sobre a competência dos juízos envolvidos.
-STJ, 2ª Seção, CC n. 200.775-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Antonio Carlos Ferreira, j. 28.8.2024 – inteiro teor.
REGINALDO FERRETTI
OAB/SP n. 244.074
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