Introdução
O julgamento do Recurso Especial 1.908.738-SP, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, trouxe à tona questões relevantes acerca da responsabilidade civil das concessionárias de rodovias em casos de acidentes provocados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento. Este artigo tem como objetivo analisar as implicações jurídicas dessa decisão, à luz dos princípios do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Concessões.
Responsabilidade Objetiva
A jurisprudência atual consolida a ideia de que as concessionárias de rodovias têm responsabilidade objetiva pelos danos causados por acidentes decorrentes da presença de animais em suas pistas. Isso significa que a responsabilidade não depende da comprovação de culpa, mas sim da ocorrência do dano e do nexo causal entre este e a atividade de concessão. Esse entendimento é respaldado pela aplicação da teoria do risco administrativo, que é amplamente aceita nas decisões das Turmas de Direito Privado deste Superior Tribunal.
Fundamentação Legal
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor é pertinente, pois a legislação prevê explicitamente sua incidência sobre os serviços públicos concedidos, conforme artigo 22 e parágrafo único. A Lei de Concessões (lei n. 8.987/1995), em seu artigo 7º, complementa essa interpretação, reforçando o dever das concessionárias em garantir a segurança dos usuários.
Jurisprudência e Princípios Aplicáveis
A posição do Supremo Tribunal Federal (STF) ratifica que as entidades prestadoras de serviço público, sejam elas de direito público ou privado, respondem objetivamente pelos danos causados a usuários e não usuários. O precedente do RE 591.874-RG é um exemplo claro desse entendimento.
A análise das teses fixadas pelo STF nos temas 362 e 366 ressalta que a responsabilidade civil objetiva não pode ser afastada por fundamentos relacionados à culpa administrativa. No caso em questão, não se verifica a presença dos fatores que poderiam romper o nexo causal, como intervalos excessivos entre o fato e o dano ou a intervenção de causas externas.
Princípio da Prevenção e Dever de Fiscalização
A previsibilidade do ingresso de animais nas rodovias exige que as concessionárias adotem medidas efetivas de prevenção, incluindo a instalação de bases operacionais e a realização de rondas periódicas. O descumprimento dessas normas, que devem ser vistas como mínimas, resulta em omissão e, consequentemente, na responsabilização da concessionária.
É importante destacar que a responsabilidade das concessionárias não é eximida pela atuação do poder público em fiscalização. O artigo 25 da Lei de Concessões afirma que a responsabilidade civil das concessionárias persiste independentemente da diligência dos órgãos públicos.
Interesse da Vítima e Indenização
Outro ponto a ser considerado é o princípio da primazia do interesse da vítima, que se alinha à solidariedade. Assim, a concessionária é obrigada a indenizar os usuários pelos danos sofridos, mesmo que não seja possível identificar o proprietário do animal responsável pelo acidente. Este direito de regresso pode ser exercido posteriormente, caso a concessionária assim o decida.
Conclusão
Diante do exposto, a tese que se fixa é a seguinte: “as concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões“. A proteção dos usuários e a segurança nas rodovias são deveres que não podem ser negligenciados, e a responsabilidade objetiva das concessionárias se mostra essencial para garantir esses direitos.
Referências Legais:
– Lei n. 8.987/1995, artigos 7º e 25.
– Código de Defesa do Consumidor (CDC), art. 22.
Precedentes:
– STF, Tema n. 130 – RE 591874 , Rel. Min. Ricardo Lewandowski – inteiro teor.
– STF, Tema n. 362 – RE 608880, Rel. Min. Marco Aurélio – inteiro teor.
– STF, Tema n. 366 – RE 136861, Rel. Min. Alexandre de Moraes – inteiro teor.
– STJ, Corte Especial, REsp n. 1.908.738, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cuva, j. 21.8.24 (Tema 1122/STJ) – inteiro teor.
REGINALDO FERRETTI
OAB/SP n. 244.074
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