Introdução
O fenômeno da prescrição intercorrente no contexto do cumprimento de sentença coletiva, especialmente quando este é promovido por legitimados extraordinários, suscita relevantes discussões sobre sua influência na possibilidade de execução individual dos mesmos títulos. Em suma, a extinção da execução coletiva não obsta a ação individual dos membros do grupo.
A controvérsia reside na extensão dos efeitos da prescrição intercorrente na execução coletiva, questionando se uma decisão desfavorável ao substituto processual compromete os interesses dos integrantes do grupo. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seus artigos 103 e 104, estabelece as diretrizes para a coisa julgada no âmbito do processo coletivo. O artigo 103, inciso III, destaca que, nas ações coletivas voltadas à proteção de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada se dá de forma erga omnes apenas em caso de procedência do pedido. Complementarmente, o § 2º desse artigo assegura que, na hipótese de improcedência, aqueles que não participaram do processo como litisconsortes têm a prerrogativa de ajuizar ações individuais.
A inovação introduzida pelo CDC, frequentemente referida como “coisa julgada secundum eventum litis“, implica que a sentença proferida em ação coletiva beneficia exclusivamente os membros do grupo, considerando a ausência de participação efetiva de cada um deles no processo. Assim, a coisa julgada não pode ser imposta a quem não exerceu o direito ao contraditório, salvo se houver intervenções como litisconsorte, conforme previsto no § 2º do art. 103 e no art. 94 do mesmo Código.
Consequentemente, uma decisão desfavorável ao legitimado extraordinário não se estende aos membros do grupo em suas ações individuais, especialmente em situações onde se evidencia a inércia do substituto na condução do processo coletivo. A manutenção dessa lógica é fundamental para preservar os direitos dos integrantes, uma vez que estes não participaram ativamente do processo. Jurisprudências, como as contidas nos Recursos Especiais (AgInt no REsp n. 2.102.083/PE e outros), reforçam essa interpretação.
Adicionalmente, a normativa vigente sugere que o titular do direito individual deve aguardar a conclusão do processo coletivo antes de decidir pela propositura de uma ação individual. Essa expectativa é respaldada pela lógica do microssistema do processo coletivo, que não impõe ao credor individual a obrigação de iniciar o cumprimento de sentença enquanto a execução coletiva está em andamento. O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que a atuação do legitimado extraordinário no cumprimento de sentença suspende o prazo prescricional para a execução individual, como demonstrado em decisões recentes (AgInt no AgInt no REsp n. 1.932.536/DF e outros).
Implicações Práticas
As implicações práticas dessa análise são significativas para o sistema jurídico, especialmente no que tange aos direitos dos consumidores e à efetividade da tutela coletiva. A possibilidade de os membros do grupo ajuizarem ações individuais, mesmo após uma decisão desfavorável na execução coletiva, assegura que a justiça não apenas reconheça, mas também proteja os direitos individuais de forma autônoma. Essa autonomia é vital, pois muitos consumidores podem não ter os meios ou a conscientização para participar ativamente de um processo coletivo, o que, de outra forma, poderia resultar em uma perda irreparável de seus direitos.
Ainda que a atuação do legitimado extraordinário na execução coletiva tenha um papel preponderante, a responsabilidade deste em assegurar a defesa dos interesses do grupo não pode ser subestimada. A desídia na condução do processo coletivo, como mencionado anteriormente, é um fator crítico que pode impactar diretamente na possibilidade de execução individual. Portanto, é imprescindível que os legitimados atuem com diligência e comprometimento para garantir que os direitos de todos os membros sejam adequadamente resguardados.
Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se mostrado clara ao estabelecer que a prescrição da pretensão executória é interrompida com a propositura do cumprimento de sentença pelo legitimado extraordinário. Essa interrupção é um mecanismo crucial que evita que os membros do grupo sejam prejudicados pela morosidade do sistema judicial, permitindo que, após a conclusão do processo coletivo, possam buscar a reparação de seus direitos de forma individual, caso necessário.
A proteção conferida pelo CDC, que busca equilibrar os interesses coletivos e individuais, reflete uma evolução no entendimento do direito processual, onde a justiça não é apenas uma questão de procedimentos, mas também de resultados. A legislação e a jurisprudência caminham em direção a um sistema mais justo e equitativo, onde a participação dos indivíduos nos processos coletivos é respeitada e valorizada.
Perspectivas Futuras e Desafios no Processo Coletivo
À medida que o entendimento sobre a relação entre a execução coletiva e individual se consolida, surgem novas perspectivas e desafios que devem ser enfrentados pelos operadores do direito, legisladores e jurisdição. Um dos principais desafios reside na necessidade de clareza e objetividade na legislação que regulamenta o processo coletivo. A ambiguidade em alguns dispositivos pode levar a interpretações divergentes, o que, por sua vez, pode comprometer a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões. A legislação deve ser constantemente revista para acompanhar as mudanças sociais e as necessidades dos consumidores, garantindo que o sistema jurídico permaneça eficaz e relevante.
A implementação de mecanismos que incentivem a participação dos membros do grupo no processo coletivo também é uma questão a ser considerada. A educação e a informação sobre os direitos dos consumidores são fundamentais para que estes possam exercer sua cidadania de maneira plena e consciente. Campanhas de conscientização e a disponibilização de informações acessíveis sobre os mecanismos de defesa coletiva podem estimular a participação ativa e engajada dos indivíduos nos processos coletivos.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito à harmonia entre as diversas esferas do direito. A interação entre o direito do consumidor e outras áreas, como o direito civil e o direito processual, deve ser cuidadosamente planejada para garantir que a proteção dos direitos individuais não seja prejudicada pelas dinâmicas coletivas. A consolidação de entendimentos que respeitem essa interação será fundamental para a construção de um sistema jurídico coeso e eficaz.
Além disso, o papel da tecnologia no processo coletivo não pode ser ignorado. A digitalização dos processos judiciais e a utilização de plataformas eletrônicas para a gestão de ações coletivas são tendências que já vêm se consolidando. Tais inovações podem facilitar o acesso à justiça, permitir uma melhor comunicação entre os envolvidos e agilizar o trâmite processual. Contudo, é crucial que essas ferramentas sejam implementadas com a devida segurança e proteção dos dados dos consumidores, garantindo que a privacidade e a confidencialidade das informações sejam respeitadas.
Por último, a análise crítica da atuação dos legitimados extraordinários é um ponto que merece atenção contínua. A responsabilidade destes em representar os interesses do grupo não deve ser apenas um aspecto formal, mas sim uma obrigação ética e prática. A eficácia da defesa coletiva depende da capacidade desses representantes de atuar com transparência, comprometimento e diligência. O fortalecimento da supervisão judicial sobre a atuação dos legitimados pode contribuir para a melhoria da qualidade das ações coletivas, assegurando que os interesses de todos os membros sejam efetivamente considerados.
Conclusão
O estudo da extinção do cumprimento de sentença coletiva e suas implicações na execução individual revela a complexidade e a importância do tema no âmbito do direito processual. A proteção dos direitos dos consumidores, a eficácia das ações coletivas e a possibilidade de execução individual são questões interligadas que demandam uma abordagem cuidadosa e inovadora.
O equilíbrio entre a coletividade e a individualidade, garantido pelo Código de Defesa do Consumidor e reforçado pela jurisprudência, é um elemento crucial para a promoção da justiça e da equidade no sistema jurídico. Ao enfrentar os desafios e explorar as perspectivas futuras, a comunidade jurídica pode contribuir para um ambiente em que todos os indivíduos tenham seus direitos respeitados e protegidos, independentemente das circunstâncias do processo coletivo. O caminho a seguir deve ser pautado pela busca incessante por justiça, equidade e proteção dos direitos de todos os cidadãos.
Jurisprudência:
REGINALDO FERRETTI
OAB/SP n. 244.074
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